Vamos falar um pouco sobre os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente?

07 de Novembro de 2016 Por Serginho

Muito se houve falar, comentar, debater sobre o Conselho Tutelar e as suas atribuições: o que é, quem atende, como atende, como dever ser a sua relação com a rede de atendimento e o Sistema de Justiça. Muito se cobra também do Conselho Tutelar, como se ele fosse a “tábua de salvação” para a complexidade de violações de direitos que envolvem crianças e adolescentes no nosso país.  

Tenho insistido em dizer que, antes do Conselho Tutelar o que precede (e é imprescindível) é a Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente.  Política essa estabelecida nos artigos 86, 87 e 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90). Um conjunto de ações articuladas, governamentais e não governamentais, nas instâncias municipais, estadual e federal.  Com suas linhas de ações e diretrizes claras, que definem, inclusive, a integração operacional entre órgãos, para atendimentos específicos, como para o adolescente a quem se atribua ato infracional e crianças e adolescentes inseridos em programas de acolhimento institucional ou familiar.

 Além, é claro, há de se fazer cumprir o princípio da Absoluta Prioridade, instituído no parágrafo único, do artigo 4º. do mesmo Estatuto, especificamente falando, da “preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas” e “destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”. 

Não estou diminuindo a importância do Conselho Tutelar. Muito pelo contrário, estou enaltecendo, pois é esse um dos órgãos que zela por esses direitos da criança e do adolescente.

Também tenho colocado de maneira recorrente, que o Conselho Tutelar não é uma Entidade de Atendimento ou um Programa de Atendimento, apesar de algumas pessoas e autoridades, apressadamente dizerem que o Conselho atende sim, pois isso está expresso no rol de suas atribuições. Pois, então, vejamos: sim, está no Estatuto da Criança e do Adolescente, no inciso I, do artigo 136 (artigo das Atribuições do Conselho Tutelar), que o Conselho Tutelar atende crianças e adolescentes. Mas não podemos deixar de ler o restante da frase e interpretá-la, conforme as regras de nossa língua portuguesa. Está lá: “atender..., (vírgula) aplicando as medidas previstas no artigo 101, I a VII" (que são as medidas específicas de proteção). Aqui se aplica o “gerúndio” (forma nominal do verbo), pois temos um sentido de continuidade, simultaneidade ou concomitância. O Conselho Tutelar atende, aplicando medidas específicas de proteção. Então o atendimento do Conselho Tutelar é para que sejam identificados os direitos ameaçados e/ou violados, os possíveis violadores (família, sociedade ou Estado), para que então, possa eleger as medidas e procedimentos cabíveis para cada “caso”. A Execução dessas medidas se dará nas entidades e programas de atendimento, conforme seus regimes, elencados no artigo 90 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

“As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção
das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas
[grifo meu] de proteção e sócio-educativos destinados a crianças e adolescentes...”
(art. 90 – Estatuto da Criança e do Adolescente).

Bom... isso para dizer que é importante que cada município tenha uma rede de atendimento que se alinhe à sua necessidade social, política e econômica.  Que tenha um conjunto de ações articuladas, governamentais e não governamentais.  Que essa política seja sólida e ampla em suas linhas de ação e diretrizes. Por isso então, cabe a todos nós exigir que tenhamos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente de fato.  Não apenas na Lei que o Criou, mas que cumpra com a sua missão legal de deliberar e controlar as ações da Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente (art. 88, II – Estatuto da Criança e do Adolescente). E aqui chamo sempre à atenção, que as ações são as ações da Política de Atendimento. Ações, como já dito anteriormente, definidas nos artigos 86, 87 e 88 do mesmo Estatuto.  Então, afirmo que é uma conclusão equivocada (para não dizer errada), que o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente “controla” o Conselho Tutelar. O Conselho Tutelar não é uma ação, é um órgão e, um órgão é criado por Lei, bem como as suas atribuições.  O Conselho Tutelar foi criado pela Lei Federal 8.069/90 e somente nessa instância pode ser alterado e podem ser alteradas as suas atribuições.

Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente vêm na esteira da redemocratização do país e da Constituição Cidadã, de 1988.  Faz parte da Democracia Participativa, que prevê o povo, por meio de suas representações, no processo de formulação, deliberação, implementação e monitoramento/controle das políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes. 

Determina o Estatuto da Criança e do Adolescente que aos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente deve ser “assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais” (art.88, II).  Isso segue o prescrito na Constituição Federal, como podemos ver abaixo: 

“No atendimento dos direitos da criança e do adolescente
levar-se- á em consideração o disposto no art. 204”.
(Art. 227, § 7º, da Constituição Federal)

“As ações governamentais na área da assistência social serão
realizadas com recursos do orçamento da seguridade social,
previstos no art. 195, além de outras fontes,
e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e
as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos
programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades
beneficentes e de assistência social;

II - participação da população, por meio de organizações representativas,
na formulação das políticas e no controle das ações
em todos os níveis.”. (Art. 204, da Constituição Federal).

 

Deliberar e controlar a Política de Atendimento à Criança e ao
Adolescente (art. 88, II - Estatuto Da Criança E Do Adolescente);

Gerir politicamente o Fundo da Infância e Adolescência
(art. 88, IV- Estatuto da Criança e do Adolescente)
– aqui cabe outro artigo sobre;

 

Sendo assim, os conselhos de direitos da criança e do adolescente são criados por Lei, por iniciativa do chefe do executivo e são compostos por 50% de representantes governamentais e 50% de organizações da sociedade civil.  Esses conselhos devem ser criados por Lei.  A “parte” governamental será escolhida pela própria instância governamental e a “parte” não governamental deverá se escolhida em fórum próprio dessas entidades.  Esse processo também deve estar regulamentado em Lei Municipal (em se tratando dos Conselhos Municipais), bem como deve haver regimento interno para essa escolha.  Essas escolhas e mudanças na composição do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente acontecem a cada 02 anos, onde há uma alternância, na presidência, entre o governo e a parte não governamental. 

O Conselho de Direitos da Criança e do adolescente tem 03 níveis de atuação: uma instância municipal (os CMDCAs – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), outra Estadual (os CEDCA – Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente) e uma Federal (o CONANDA), lembrando sempre que se deve respeitar o princípio da municipalização. Respeitando o disposto no artigo 204 da Constituição Federal (já citado anteriormente), que define a descentralização político-administrativa, a execução da Política de atendimento cabe às esferas municipal e estadual, cabendo à esfera federal as normas gerais.  Este é um ponto muito importante, pois não se quer mais aquele tipo de política que “vinha de cima para baixo” sem respeitar a realidade local e suas especificidades. 

 

São atribuições do Conselho Municipais dos Direitos da Crianças e dos Adolescentes:

• Deliberar e controlar a Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente (art. 88, II - Estatuto Da Criança E Do Adolescente);

• Gerir politicamente o Fundo da Infância e Adolescência (art. 88, IV- Estatuto da Criança e do Adolescente) – aqui cabe outro artigo sobre;

• Promover o registro das entidades não governamentais e inscrição dos programas governamentais e não-governamentais de atendimento à criança e ao adolescente (art. 90, Parágrafo Único e art. 91 - Estatuto da Criança e do Adolescente). Reforçando que Registro de Entidade é diferente de Inscrição de Programa, que trataremos em outro momento, com mais calma.  O Cmdca também avalia a qualidade de atendimento desses programas de 2 em 2 anos e renova os registros das entidades não governamentais, a cada 04 anos.

• Promover e coordenar o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar (art. 139 - Estatuto da Criança e do Adolescente.

Para o seu funcionamento então, é muito importante que o Cmdca faça o seu planejamento, elabore e delibere sobre o seu plano de ação, que consiste em:  

1) Fazer o levantamento da realidade local;

2) Elaborar o diagnóstico;

* limites e avanços da Política de Atendimento

* necessidades da Política de Atendimento

• prioridades

3) Deliberar Programas e Projetos

Apesar de todas as linhas de ação da Política de Atendimento serem de responsabilidade deliberativa do Conselho de Direitos, é comum que estes centrem seus esforços nas Políticas de Proteção Especial, sem prejuízo das demais, como forma de não dispersar seus esforços.
 
Temos que fortalecer esses Conselhos para que cumpram com a sua missão estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente.  É sobre isso que esses conselho devem se debruçar e não, na minha interpretação, ficar fiscalizando o Conselho Tutelar.  Temos que lembrar que tem a atribuição explicita de fiscalização é o Conselho Tutelar.  É esse órgão que fiscaliza as entidades governamentais e não governamentais (artigo 95 do Estatuto da Criança e do Adolescente), devendo representar à autoridade judiciária, caso encontre alguma irregularidade no funcionamento delas (artigo 191, do mesmo Estatuto).  Sendo assim, deixo o questionamento para a nossa reflexão: qual a isenção teria um Conselho Municipal, composto por entidades governamentais e não governamentais, que são fiscalizadas e podem ser representadas pelo Conselho Tutelar, para fiscalizar, julgar e aplicar sanções aos membros desse mesmo Conselho  Tutelar? Acredito que os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente deveriam ser declarados impedidos ou em suspeição, para fazer tais julgamentos e, assim, manter e guardar o princípio da imparcialidade... uma boa reflexão, não acham?
 

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