Não Há Sossego na Medida de Acolhimento Institucional

10 de Setembro de 2016 Por Sérgio Henrique Teixeira

Penso que não podemos sossegar quando sabemos que uma criança ou adolescente está em uma instituição do Acolhimento. Acredito que o Sistema de Justiça, o Conselho Tutelar, a Instituição de Acolhimento e a Rede de Atendimento, como um todo, assim como cada cidadão não podem sossegar enquanto houver uma criança ou um adolescente Acolhido. Por quê? Porque enquanto acolhidos, no mínimo, seu Direito à Convivência Familiar está violado. Insisto em dizer que “Acolhimento” não é um Direito Fundamental.“Acolhimento” é uma medida de Proteção. Medida de Proteção de alta complexidade, para aqueles que estão com seus vínculos familiares rompidos.

É uma medida excepcional e provisória (art. 101, § 1º), portanto, só aplicada quando houver a impossibilidade da criança e do adolescente permanecer em sua moradia. Pelo princípio da excepcionalidade e, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, antes de se optar (no caso aqui, o Conselho Tutelar) pela medida de acolhimento institucional, devem ser aplicadas as medidas emergenciais cabíveis de proteção e promoção da família. Sendo forçosa a necessidade de afastamento da criança e do adolescentes de seus pais ou responsáveis, ainda antes da aplicação da medida de Acolhimento, devem-se tomar as providências necessárias, para o afastamento do agressor da moradia comum, conforme o artigo 130 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Lógico que essa é uma medida cautelar, aplicada pela autoridade judiciária, conforme podemos ler no artigo citado:

“Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso
 
sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade
 
judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o
 
afastamento do agressor da moradia comum.” (art. 130 – 
Estatuto da Criança e do Adolescente).


Em não sendo possível o afastamento do agressor e, entendendo que a criança ou o adolescente tenha que ser afastado da convivência familiar, o Conselho Tutelar pode aplicar a medida de acolhimento institucional, devendo incontinenti (imediatamente) comunicar ao Ministério Público, conforme o parágrafo único, do art. 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Diante dessa comunicação do Conselho Tutelar, o representante do Ministério encaminhará o pedido de afastamento, à autoridade judiciária, para que seja julgada procedente a requisição da medida cautelar de afastamento: 

“Se, no exercício de suas atribuições, o Conselho Tutelar 
entender necessário o afastamento do convívio familiar, 
comunicará incontinenti o fato ao Ministério Público, 
prestando-lhe informações sobre os motivos de tal
 
entendimento e as providências tomadas para a orientação, 
o apoio e a promoção social da família.” (parágrafo único, 
art. 136 – Estatuto da Criança e do Adolescente).

Na esteira da reflexão, repito, é importante dizer que a medida de acolhimento familiar é uma medida de proteção e que o Direito Fundamental é a Convivência Familiar e Comunitária. Quero dizer então, insisto, que, enquanto uma criança ou adolescente estiver em uma instituição de acolhimento estará com o seu direito violado. Sendo assim, cabe ao Conselho Tutelar aplicar as medidas necessárias, para que esse direito seja restituído brevemente, já que também a medida de acolhimento é uma medida provisória:

“É direito da criança e do adolescente ser criado e educado 
no seio de sua família e, excepcionalmente, em família 
substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, 
em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.” 
(art. 19 – Estatuto da Criança e do Adolescente).

Notem que o Estatuto define como direito, o Direito à Convivência Familiar, privilegiando a família de origem e excepcionalmente a família substituta. Isso que dizer que, esgotados todos os recursos para que a criança ou o adolescente retorne à sua família de origem, devem ser tomadas as providências cabíveis para a transição para a família substituta. No entanto, esse é um procedimento e processo jurisdicional.

Também no parágrafo 3 o , do artigo 19, do mesmo Estatuto encontramos a seguinte afirmação:

“A manutenção ou reintegração de criança ou 
adolescente à sua família terá preferência [grifo meu] em 
relação a qualquer outra providência, caso em que será 
esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos 
termos do parágrafo único do art. 23, dos incisos I e IV do 
caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 
desta Lei.”

 

Essa observação quer reafirmar que, além da medida de acolhimento institucional ser uma medida excepcional, o Estatuto da Criança e do Adolescente não prevê a colocação da criança ou do adolescente em nenhum outro órgão ou instituição. Um Hospital, uma creche, uma escola, por exemplo, não são entidades de atendimento, que funcionam em regime de acolhimento institucional. Essas entidades são previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente e têm as suas obrigações relacionadas na mesma Lei (art. 92).

Além disso, o dirigente da instituição de acolhimento é equiparado ao guardião para todos os fins de direito (§ 1 o, art. 92). Também cabe ressaltar que as entidades de atendimento, governamentais e não governamentais, que funcionam em regime de acolhimento institucional ou familiar devem promover a inscrição de seus programas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, sendo que, as não governamentais não poderão funcionar se não forem registradas nesse mesmo Conselho (arts. 90 e 91, do ECA).

Ressaltando que faz parte da avaliação desses programas e entidades os índices de sucesso na reintegração familiar ou adaptação à família substituta (art. 90, III – ECA) e um dos órgãos que atestam a qualidade e eficiência do trabalho desenvolvido é o Conselho Tutelar (art. 90, § 3 o II).

Mais uma vez fica reforçado que a manutenção da criança e do adolescente em sua família de origem sempre precederá e terá privilégio diante das outras. E os órgãos da Política de Atendimento deverão esgotar seus recursos para esse fim. Até mesmo para o processo de adoção, deve se levar em consideração o disposto no § 1 o , do artigo 39 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

“A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se 
deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de 
manutenção da criança ou adolescente na família
 natural ou extensa [grifo meu], na forma do parágrafo
 
único do art. 25 desta Lei.” 

Claro que isso diz respeito ao devido processo legal, cabendo às decisões e medidas à autoridade judiciária, respeitando-se o princípio da ampla defesa e contraditório.

Ainda há a necessidade de citar os parágrafos 7º. e 9º. do artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente que define que, como parte do processo de reintegração familiar, havendo a necessidade a família será incluída em programa oficial de orientação e promoção social, buscando facilitar e estimular o contato e a convivência com a criança ou o adolescente acolhido. No entanto depois disso, sendo verificada a impossibilidade da reintegração familiar, a equipe técnica deve encaminhar relatório consistente para o Ministério Público, onde sejam apresentados os indícios para que se chegue a essa conclusão, bem como a relação de todas as medidas tomadas e como a família “respondeu” a elas:

“Art. 101, § 7 o   - O acolhimento familiar ou institucional 
ocorrerá no local mais próximo à residência dos pais ou do
responsável e, como parte do processo de reintegração
familiar, sempre que identificada a necessidade, a família
de origem será incluída em programas oficiais de
orientação, de apoio e de promoção social, sendo facilitado
e estimulado o contato com a criança ou com o
adolescente acolhido.”


“Art. 101, § 9 o  - Em sendo constatada a impossibilidade de
reintegração da criança ou do adolescente à família de
origem, após seu encaminhamento a programas oficiais ou
comunitários de orientação, apoio e promoção social, será
enviado relatório fundamentado ao Ministério Público, no
qual conste a descrição pormenorizada das providências
tomadas e a expressa recomendação, subscrita pelos
técnicos da entidade ou responsáveis pela execução da
política municipal de garantia do direito à convivência
familiar, para a destituição do poder familiar, ou destituição
de tutela ou guarda.”

 

Não esquecer que o afastamento de uma criança ou adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva do juiz. O Conselho Tutelar não afasta a criança ou o adolescente de seu convívio familiar:

“Art. 101 § 2 o   Sem prejuízo da tomada de medidas 
emergenciais para proteção de vítimas de violência ou 
abuso sexual e das providências a que alude o art. 130 
desta Lei, o afastamento da criança ou adolescente do
 
convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade
 
judiciária e importará na deflagração, a pedido do Ministério
 
Público ou de quem tenha legítimo interesse, de 
procedimento judicial contencioso, no qual se garanta aos pais ou
ao responsável legal o exercício do contraditório e 

da ampla defesa.”

Há então a necessidade de se fazer a diferença entre “afastamento” e “acolhimento”. Nem toda medida de acolhimento, traz em si a necessidade do afastamento de crianças e adolescentes de seus pais. Por exemplo: crianças e adolescentes que se encontram em situação de rua, em situações de “exposições”, ou que se encontram perdidas, sem que se conheça o paradeiro dos pais. Nesses e em casos similares as crianças e adolescente podem ser acolhidos, devendo o dirigente da instituição de atendimento (abro esse parênteses, para dizer que essa atribuição de providenciar a guia de acolhimento, ser atribuição do dirigente, não está explícito no Estatuto da Criança e do Adolescente, é uma interpretação minha, já que o mesmo Estatuto equipara o dirigente da instituição ao guardião para todos os fins de direito. O Estatuto da Criança e do Adolescente não deixa claro de quem é essa atribuição), providenciar a guia de acolhimento:

“Art., 101, § 3 o  - Crianças e adolescentes somente poderão
 
ser encaminhados às instituições que executam programas 
de acolhimento institucional, governamentais ou não, por 
meio de uma Guia de Acolhimento, expedida pela
 
autoridade judiciária, na qual obrigatoriamente constará,
 
dentre outros [...]”. 


E lógico, deverão ser tomadas as devidas providencias para que eles sejam, o mais breve possível, encaminhados aos seus pais ou responsáveis.

Sendo então a criança ou o adolescente acolhido não podemos pensar que o trabalho terminou. Vamos lembrar que essa medida é provisória. Então, como dito no início, não pode haver sossego enquanto uma criança ou um adolescente se encontre em uma instituição de acolhimento. A medida de Acolhimento deve ser avaliada em, no máximo, a cada 6 meses (art. 19 § 1 o   e Art. 90 - § 2 o , Estatuto da Criança e do Adolescente). Mas ela pode e deve ser avaliada imediatamente. O menino ou a menina já tem que “entrar saindo”. O Desligamento da instituição deve fazer parte do Plano Individual de Atendimento (PIA). Penso (e acredito) ser um grande equívoco aguardar por uma audiência concentrada, só depois de 6 meses da criança ser inserida no programa, para que essa situação seja avaliada. Já vi isso em alguns municípios. Não tem que esperar por 6 meses. Se a instituição de acolhimento entender pela reintegração familiar, deve fazer imediata comunicação à autoridade judiciária, que, em até 05 dias colocará “o processo” à disposição do Ministério Público, para que esse tome ciência e se pronuncie em igual prazo (5 dias): 

“Verificada a possibilidade de reintegração familiar, o
responsável pelo programa de acolhimento familiar ou
institucional fará imediata comunicação à autoridade
judiciária, que dará vista ao Ministério Público, pelo prazo
de 5 (cinco) dias, decidindo em igual prazo.” (art. 101, § 8º.
do Estatuto da Criança e do Adolescente).

 

O Direito à Convivência Familiar precede. Não há sossego enquanto esse direito não for garantido. O rompimento dos vínculos familiares traz dores, sentimentos e ressentimentos. Não acredito em "culpabilizações" e sim em possibilidades e em responsabilizações. Como garantir o Preceito Constitucional que a família receberá especial Proteção do Estado (art. 226 da CF), entendendo família conforme os seus variados arranjos contemporâneos? Que proteção não é sinônimo de intervenção? O que temos (e aí digo, efetivamente) nas Políticas Públicas para a prevenção do rompimento de vínculos, mas também para o desenvolvimento de potencialidades das famílias, para que façam as suas necessárias aquisições?

Um dos pavores do Ser Humano é não pertencer a uma comunidade e a família, na maioria das vezes é a nossa primeira comunidade. Diria Camões (e também Renato Russo):

“Amor é fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.”.

A falta dele também, assim como os rompimentos, o abandono e o desamparo.

Não pode haver sossego enquanto uma criança e adolescente esteja em uma instituição de acolhimento. Por quê? Porque isso dói.

 

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